25.6.09

what really matters.

ontem eu chorei igual a um imbecil. e dessa vez por incrível que pareça não foi à toa! eu li um texto verídico de uma blogueira residente de cardiologia passando pelo 'batismo' como ela mesma descreveu.

bom, minha família é de médicos então eu já meio que sei que esse tipo de situação é real, porém tantas lembranças como meu avô e minha avó que faleceram recentemente, acho que muita coisa bagunçou.

acho que tem muita verdade no que aconteceu e no que foi escrito. se for pra segurar a mão até o fim. que seja sincero. que seja amor.

vou postar aqui o texto e uma foto que ilustra bem a idéia. vai rolar no blog tb com certeza em instantes.


"What Really Matters.

Já havia passado onze das 60 longas horas de plantão que ainda tenho pela frente. Dia quente e noite fria - algo comum em São Paulo. Estava aqui, neste consultório de onde vos escrevo, atendendo no pronto-socorro do hospital onde faço residência. Eis que toca o telefone da mesa:

- Doutora? Tem uma intercorrência no sexto andar...

Claro, atendi quatro no plantão passado. Quatro intercorrências em seis horas. Uma delas era uma parada cardíaca que tive que ressuscitar e levar para a UTI - voltei ao pronto-socorro uma baranga só: suada, despenteada, desmaquiada, mau-humorada. Mas chefe é uma raça muito importante pra subir aos andares e ver os velhinhos encacados... chama o residente!

- Pois não? - respondi com boa vontade (pura falsidade)
- Um paciente... (pausa)... err... ele está com a freqüência em quarenta e quatro.
- 44? Frequência cardíaca? - falei, levantando e já pondo todas as coisas da mesa em qualquer um dos bolsos do jaleco.
- Sim...
- Já estou chegando.

Saí da sala correndo como o diabo da cruz. Deixei para trás todas as fichas de pacientes aguardando exames, raios x que haviam ficado prontos, enfermeiros querendo opinião na prescrição do Sr. Fulano, cuja dor de cólica nefrética não melhorou após o milionésimo analgésico. Nada disto era importante naquele momento. Fui direto às escadas, não havia tempo para esperar o elevador. Cada minuto de parada cardíaca representa 10% a menos de chances de fazer o paciente voltar à vida.

Cheguei ao andar cambaleando, dispnéica, depois de carregar por 6 andares esta carcaça pesada de residente sedentária. O quarto 615 estava aberto e enfermeiras entravam e saíam pela porta. Pedi que me trouxessem a prescrição, entrei no quarto e logo calcei luvas. Eis o choque: o paciente era um senhor de seus 60 anos que pesava uns 50 quilos. Magro, consumido, pálido, respirando com dificuldades. Pus máscara de oxigênio e oxímetro nele e logo mandei prepararem material para intubação. Ele ia parar numa questão de minutos... estava com aquele aspecto clássico do paciente que está à beira da morte. Eu não ia deixar.

- Qual o diagnóstico, Sônia? - perguntei à enfermeira, já que o paciente não era da minha equipe.
- Câncer.
- Câncer?
- Câncer. Metastático, disseminado.
- Putz... suspende o material para intubação. Deixa no O2 só, 3L/min.
- Quem é o chefe da equipe? É pra investir? O que a família quer?
- É a Dra. Flávia... não sei, doutora.

Uma senhora de seus 60 anos entra no quarto a passos curtos, aos prantos, e me pergunta se é grave. É a esposa, que esperava lá fora, sem coragem para entrar. Explico à última que temos dois caminhos a seguir, e ela precisa escolher qual deles deve ser: podemos proporcionar conforto e analgesia ou podemos ser incisivos e prolongar a vida ao máximo, independente da qualidade da mesma. Ela só chora. "Será que eu estou sendo fria?" - pensei.

- Olha, deixa eu explicar melhor.
- ... (só lágrimas escorriam do rosto vermelho da senhorinha... uma daquelas quase-vovós, que ainda usa calça 3/4 com chinelinhos confortáveis e cabelo castanho claro, bem penteado pros lados)
- Eu preciso saber o que a senhora quer que eu faça. Entendeu? Esta decisão tem que ser sua.
- ... C-como eu p-pos-so escolher isso, d-doutora? Eu não posso responder isso!
- Então a senhora pode esperar lá fora? Deixe que eu cuido disto.

Eis que percebi que havia uma filha, de idade próxima à minha, que só chorava no cantinho do quarto, sentada no sofá. Saiu junto com a mãe.

Fiquei eu e Sr. Maurício, sozinhos no quarto. Este foi um daqueles momentos dos quais preferimos não falar, mas sabemos que jamais esqueceremos. Acho que foi meu batismo na residência. Dona do meu próprio nariz, detentora do carimbo e das decisões sobre meus atos médicos, escolhi não fazer nada.

Sentei ao lado do Sr. Maurício e simplesmente esperei. Pedi à enfermeira que trouxesse um pouco de morfina e lhe aplicasse boa quantidade, para que tivesse conforto neste momento. Observei uma frequência cardíaca razoável e uma saturação de oxigënio vagarosamente decrescente.

Tive meus minutos com o paciente - que estava parcialmente consciente, para acabar com o que sobrou da minha postura profissional. Sr. Maurício emitia alguns sons, respondia parcialmente a comandos e estava respirando cada vez com mais dificuldades. A esposa entrou no quarto.

- A senhora não prefere esperar lá fora?
- Doutora... com todo respeito... este homem é o amor da minha vida. Quero ficar do lado dele até o fim.

(Pausa: QUE MULHER INCRÍVEL!!!! MINHA NOOOOSSA!!! - Arrepiei todos os fios de cabelo do corpo)

- Então por favor, entre que aqui é o seu lugar. Na verdade, aqui é o SEU lugar e não o meu... - falei, me afastando do paciente e dando lugar à esposa, ainda em prantos, que segurou suas mãos e simplesmente ficou ali.

Assisti à cena mais bonita de toda a minha carreira. Fiquei com lágrimas nos olhos.

Avisei à enfermeira que eu estava descendo ao pronto-socorro, e que quando Sr. Maurício falecesse, me ligasse para atestar o óbito.

Antes de sair do quarto, disse à esposa e filha que dissessem o quanto o amavam, mesmo que achassem que ele não estava mais ouvindo... e que continuassem dizendo isto até o fim.... porque era isto que importava. No final das contas, era só isto que importava.

Ainda não me ligaram."








esse texto é da Rafaela Guerra (@rafaguerra) e o blog dela ta AQUI oh. e todos os créditos dessa maravilha são dela!

quem chorou levanta a mão o/

2 comentários:

Rafa disse...

Awn... obrigada pelos elogios (já passei do ponto de estar lisonjeada - agora virou vergonha). Mil beijos!

PS: Até eu mesma deprimo lendo esse post. Hehe

diddico disse...

se chorei? ta de brincadeira né? arrepiado aqui. parabéns à Rafaela!!!